Herdamos o termo “chanchada” como se fosse inevitável. Ele surge nas páginas dos críticos dos anos 1940 e 1950, quase sempre com um tom de desprezo — como se aquele cinema alegre, cantado e paródico, não fosse digno de análise séria. Entretanto, devo confessar que nunca fui adepta desse termo. Há algo de reducionista nele, uma tentativa de enquadrar em caricatura um movimento que, em essência, estava inventando a si mesmo.
Em seu livro “Alinor Azevedo e O Cinema Carioca (1955), Luís Alberto Rocha Melo traz um panorama de dentro a engrenagem da Atlântida Cinematográfica, descreve o entusiasmo e a precariedade de um período que tentava fazer da comédia popular uma indústria. E é impossível não se apaixonar pela energia que moveu aqueles roteiristas, diretores e atores — uma geração que acreditava que o cinema brasileiro poderia, sim, dialogar com o público, rir de si mesmo e ainda assim criar identidade.
A Atlântida, fundada em 1941 por Moacir Fenelon e José Carlos Burle, se tornou o coração desse cinema. Era um estúdio movido tanto pela vontade de produzir quanto pela falta de recursos, o que o tornava um espaço de experimentação constante. Dali saíram nomes como Carlos Manga, Watson Macedo, José Carlos Burle e Alinor Azevedo, que fizeram do humor uma ferramenta de leitura social — ainda que muitos não percebessem.
Esses filmes — Carnaval Atlântida, Aviso aos Navegantes, Nem Sansão Nem Dalila, Amei um Bicheiro — misturavam música, sátira política, e paródias hollywoodianas. Eram mais do que comédias musicais: eram retratos de um Brasil urbano, em transformação, tentando se reconhecer no espelho da tela. Sob o brilho do entretenimento, havia algo profundamente humano: a vontade de narrar o cotidiano, a contradição e o sonho de um país que se modernizava às pressas.
Os críticos da época, em geral, formados sob o olhar europeu e literário, não conseguiam enxergar valor naquilo que fugia do “grande cinema de autor”. Para eles, as “chanchadas” representavam o atraso. Mas hoje, à distância, vemos o quanto essas produções foram documentos de seu tempo — registros da linguagem popular, das expressões, da ironia e até da autoimagem de um país em construção.
Ao revisitar essas obras, é impossível não sentir que nelas há poesia disfarçada de riso. O improviso técnico, o exagero, a teatralidade e até o uso das canções — tudo isso faz parte de uma estética genuinamente brasileira. E talvez seja por isso que o termo “chanchada” me soe injusto: ele cristaliza o preconceito de uma crítica que confundia o popular com o inferior.
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